segunda-feira, 28 de junho de 2021

Criação de Partículas - Transformações de Bogoliubov

Leonard Parker é O cara quando precisamos iniciar algum estudo sobre produção de partículas por expansão cósmica. Ele é uma dos fundadores das chamadas teorias quânticas de campos em espaços curvos. Seus trabalhos seminais são marcados pelo uso das chamadas transformações de Bogoliubov (já falei um pouco sobre o Bogoliubov em outro post).

Acho interessante, então, apresentar as transformações de Bogoliubov. A aplicação original destas transformações se dá em superfluidez, que é o fenômeno de zero viscosidade (ou seja, não há perda energia cinética pelo movimento do líquido). Ao estudar o fenômeno da superfluidez, às vezes é útil expressar os hamiltonianos que descrevem o sistema por meio de dois operadores de criação e dois  de destruição (esses hamiltonianos são chamados de bilineares). E, como qualquer problema que inclua hamiltonianos, a solução se inicia por meio de sua diagonalização. Ou seja, a matriz que descreve o sistema físico precisa passar por operações matemática lícitas até que apenas os elementos de sua diagonal principal permaneçam não-nulos. Daí fica moleza escrever suas soluções.

Bom, Bogoliubov percebeu que suas transformações conduziam à diagonalização dos hamiltonianos em questão, produzindo combinações entre esses operadores (mas mantendo suas relações de comutação). Como temos dois tipos básicos de partículas, férmions e bósons, precisamos verificar se há diferença nas transformaçõs para ambos os casos. E há, claro, mas que não apresenta grandes dificuldades em se passar de um para outro caso. Aqui, por simplicidade, vou apresentar o caso bosônico. Defino o hamiltoniano como
sendo que 
são números reais e 
são os operadores de criação e destruição bosônicos. O interesse de Bogoliubov estava no estudo de uma rotação no espaço onde o hamiltoniano estava inserido. Ele queria saber o que aconteceria se houvesse uma rotação no fluido descrito pelo hamiltoniano, grosso modo. Para fazer isso, preservando as operações de comutatividade dos operadores originais, ele introduz as seguintes transformações
Note que como estamos falando de bósons, temos que as relações de comutação são
e que resultam na seguinte transformação entre os espaços
Ou seja, 
Como estamos tratando de rotações, a maneira mais simples (acredite em mim!) é usarmos a trigonometria hiperbólica, fazendo uso das representações
sendo cosh = cosseno hiperbólico e senh = seno hiperbólico, ambos com relação ao ângulo de rotação (a e b são escalares). E voilà, temos as nossas transformações prontas. Simples e eficazes.

Resumindo: as transformações de Bogoliubov permitem rotacionar o fluido combinado linearmente os operadores de criação e destruição. Ou seja, podemos criar/destruir partículas apenas rotacionando (ou translacionando) o espaço. 

Há inúmeras aplicações das transformações de Bogoliubov, em especial na supercondutividade e antiferromagnetismo, além do fenômeno da superfluidez. Nestes sistemas,  as transformações são utilizadas para a diagonalização do hamiltoniano original, permitindo o acesso as soluções do sistema sob análise. 

No caso da produção de partículas, que nos interessa aqui, precisamos definir primeiro o que é partícula. Explico. Em geral, fazemos o seguinte: iniciamos o nosso universo no estado de vácuo antes do tempo inicial de nossa contagem. Depois disso, deixamos o estado de vácuo interagir com o campo gravitacional até um certo tempo final. Agora contamos quantas partículas temos no tempo final e, se houver um número maior do tempo inicial, então tivemos produção de partículas. Porém, como sabemos se produzimos de fato partículas ou se apenas contamos um número diferente devido ao fato de estarmos em um sistema de referência específico? Precisamos eliminar a dependência do sistema de referência para podermos contar corretamente. E este é um problema na Relatividade Geral, pois não há simetria geral que permita a definição de um estado de vácuo único. Veremos isso num próximo post.


terça-feira, 22 de junho de 2021

Criação de Partículas - Um Pouco de Contas

No post anterior falei sobre a ideia geral por trás da aplicação de operadores de criação/destruição num determinado autovetor (o estado do sistema). Neste aqui vou falar um pouco sobre as contas em si, pulando os detalhes mais sórdidos, claro.

Primeiro, vamos definir como falar na linguagem de Dirac. Nesta linguagem (ou notação), escrevemos os estados quânticos a partir de vetores linha (bra) e coluna (ket). Formalmente, estes vetores estão num local chamado espaço de Hilbert complexo (infinito!). Lembrando do post passado, os operadores criação e destruição devem satisfazer a condição 


Estes dois operadores serão aplicados em um ket que representará o estado normalizado (um autovetor)
Por completude, o bra é escrito como

sendo representado na forma vetorial por vetor linha. No presente caso, queremos também que a seguinte condição seja válida

Ou seja, que tenhamos um autovalor definido. Isto resultará em autovalores reais e positivos

Lembre-se que os autovalores são aquilo que se espera medir (uma probabilidade, na verdade) no experimento, grosso modo falando. Para o autovetor que estamos considerando
Então, o autovetor 

quando submetido ao operador 


irá produzir um autoestado 

Podemos fazer o mesmo com 
só que teremos como retorno o autoestado
Claro, omiti várias passagens para não ficar preso nas contas, mas o que devemos ter em mente, ao final, é que o operador criação aumenta de uma partícula a população. Por outro lado, o operador destruição diminui de uma partícula a população.

Os operadores de criação e destruição são combinados na forma (1) sendo, então, interpretado como o número de partículas de um certo tipo. Claro, se o autovetor usado estiver representando o vácuo, então teremos partículas sendo criadas e aniquiladas a partir da atuação dos operadores criação e destruição. De modo geral, um sistema com n-partículas pode ser construído em termos do estado de vácuo, que é o estado de mais baixa energia possível (o estado fundamental)
lembrando que n! é o fatorial de n. Assim, podemos criar partículas a partir do estado fundamental do sistema. Isto é extremamente importante e é um resultado específico da Mecânica Quântica (sem análogo na Mecânica Clássica).

Não vamos nos perder! O que queremos com tudo isso é chegar nos trabalhos do Hawking sobre produção de partículas em buracos negros. Antes, porém, precisa ficar claro que existe uma estrutura matemática por trás da física e que sem ela não vamos muito longe. Há inúmeros livros-textos que tratam do formalismo de bras e kets da Mecânica Quântica, uns mais complicados e outros menos. Um bem básico e com bastante argumentação é o Eisberg-Resnick. É considerado elementar, mas acho que é uma boa para quem pretende começar a se aventurar por este mundo.

No próximo post falarei sobre os trabalhos de Leonard Parker (nos anos de 1960) sobre produção de partículas causada por um universo em expansão. Acho que estes trabalhos são importantes para chegarmos ao Hawking.







terça-feira, 15 de junho de 2021

Criação de Partículas - Ideia Geral

Criar partículas não algo fácil,  pelo menos do ponto de vista matemático. Neste post vou falar sobre a criação do ponto de vista da Mecânica Quântica (MQ). Claro, não vou tocar na questão ontológica, o que é uma partícula?, porque não sei mesmo o que seja esse objeto. Posso calcular, pesar, saber as propriedades, mas não sei, fundamentalmente, o que é. Para ver como é complicado tentar dizer o que é uma partícula, basta ver aqui.

Imagine, no entanto, a maravilha que é poder transformar energia em matéria. Transformar o próprio campo eletromagnético em partículas, isto é, fazer com que um quantum de luz dê origem a um par partícula-antipartícula. Minha estupefação foi precedida pela de muitos outros, como a de Victor Weisskopf ao comentar no anos de 1930 os  avanços de P.A.M. Dirac na teoria do elétron, de 1928.

Atualmente, o processo de criar e aniquilar partículas está muito bem estabelecido na MQ. Na verdade, estes processos são, aparentemente, exclusivos da MQ. No entanto, o entendimento de que partículas poderiam ser criadas e aniquiladas aos pares antecede a MQ, datando do início do século XX. Por exemplo, os físicos acreditavam que bastava que as partículas tivessem cargas opostas para se aniquilarem (prótons e elétrons). Sabemos que não basta apenas isso, hoje em dia. 

Preciso ressaltar, ainda, que há duas versões de interpretação para a MQ. A versão corrente dos livros-textos (que vem da chamada "Escola de Copenhagem", defendida por Bohr) e a de David Bohm, que não possui formulação relativística. Então, quando eu disser MQ daqui por diante, estarei me referindo ao que é comumente aceito nos bancos universitários.

Bom, na MQ a definição do vácuo é fundamental, pois é deste estado físico que vamos retirar e colocar partículas. Mas o que é o vácuo quântico? Bom, para começar, ele nada tem a ver com o vácuo clássico, aristotélico, que significa a ausência de tudo. No caso quântico, o vácuo não é a ausência de tudo, mas apenas um estado físico (o de mais baixa energia possível) preenchido por campos quânticos onde partículas e antipartículas (aos pares) podem surgir (criadas) e desaparecer (aniquiladas) em átimos de tempo. Aceito isto, precisamos encontrar algo que possa atuar sobre o vácuo. Isto é, precisamos de uma entidade matemática que, ao se aplicada no vácuo (que é um estado físico), produza alguma alteração no mesmo. Para isso, são utilizados os atuadores. Não, minto, os alteradores. Não, minto de novo. O nome correto é operadores. Os operadores são entidades matemáticas que atuam sobre uma determinada função matemática (que no caso representará o vácuo), produzindo uma modificação em seu estado. A MQ é uma teoria linear, isto é, ela é descrita por meio de quantidades lineares, incluindo os operadores, que são todos lineares.

Parece complicado, e é mesmo. Primeiro, é necessário que definamos que os operadores que vamos usar não comutem. Como? Que?! Comutar é...sejam A e B dois operadores. Para que eles comutem, devemos ter AB - BA = 0. Para que não comutem, AB - BA = C, onde C não pode ser o operador nulo (grosso modo, zero). Por simplicidade, assume-se que C = 1, mas não faz diferença o que seja. Definimos, então, o comutador de A e B como [A,B] = AB - BA. Repare, então, que o que dissemos até aqui foi: se primeiro aplicamos A e depois B num determinado estado físico, isto não é o mesmo que aplicar B e depois A. Moleza. Tenho certeza que você pode encontrar exemplos disso no seu dia-a-dia. Por exemplo, para dar uma dica: coloque seu celular sobre a mesa e 1) gire para a esquerda em 90 graus e 2) levante em 90 graus com relação ao tampo da mesa; agora faça 2) primeiro e depois 1). Deu o mesmo resultado? Claro que não. Então você tem que os operadores 1) e 2) não comutam (não produzem o mesmo resultado final)

Por que isso, Sergio? Por que os operadores não devem comutar? Bom, primeiro devo dizer qual é a vantagem deles comutarem. Se dois operadores A e B comutam, então AB - BA = 0, o que equivale a dizer, na linguagem da MQ, que ambos podem ser observados ao mesmo tempo. Sendo assim, tudo o que puder ser descrito por estes dois operadores ao mesmo tempo, será descrito. Do ponto de vista matemático, então, dizemos que A e B formam uma base para este espaço de observação. Assim, operadores que comutam podem formar uma base no espaço de obervação. E se os operadores não comutarem? Então eles não são observados ao mesmo tempo e não podem formar uma base.  O exemplo mais batido é o da posição e momento de uma partícula: se você sabe onde está a partícula, não sabe quanto exatamente ela tem de momento e vice-versa. Ou seja, posição e momento não formam uma base para descrever o comportamento de uma partícula.

Mas e por que devemos usar operadores que não comutam, mesmo? Oras, grosso modo, eu não quero produzir uma partícula que possa ser descrita numa base onde ela existe e não-existe ao mesmo tempo. Ou ela existe ou não-existe, não é uma condição dual. Assim, meus operadores que irão atuar na vácuo quântico irão descrever a criação e aniquilação de uma partícula, mas nunca um estado de coexistência. 

Outra coisa importante é: um operador ao ser aplicado a uma função precisa produzir algo que seja passível de verificação (experimentação). É necessário produzir um valor (algo quantificável). Desta forma, o operador que cria uma partícula quando aplicado ao vácuo, precisa produzir (aumentar) uma partícula. Já o operador que destrói a partícula quando aplicado ao vácuo, precisa reduzir o número de partículas (caso já haja partículas) de uma partícula. A função que descreve o vácuo é chamada de autoestado. O resultado numérico que se obtém ao aplicarmos um operador a um autoestado é chamado de autovalor. 

Há várias questões formais para descrever tudo o que está dito acima, que demandam bastante formalismo. No próximo post mostrarei um pouco disso tudo. Precisarei de alguns posts para podermos chegar na criação de partículas por buracos negros, que é o que o Hawking fez.











segunda-feira, 14 de junho de 2021

Documentário da Netflix

Dias atrás assisti ao documentário Buracos Negros: No Limite do Conhecimento, da Netflix. Gostei, mas não gostei.

A ideia que dá origem ao documentário é muito interessante e consiste em explicar como se deu a construção da imagem espetacular de 2018. O mérito todo é da equipe gigantesca por trás do Event Horizon Telescope (EHT), financiado por várias agências de fomento, o que não inclui nenhuma brasileira, infelizmente. Por outro lado, aparece no documentario a inserção natural do Stephen Hawking, com seus trabalhos iniciais. E acho que aí surge o problema. 

O trabalho do EHT, por si só, já é meritório do documentário e eu esperava que houvesse uma discussão mais profunda sobre os telescópios que estão ao redor do mundo e que foram utilizados para a reconstrução da imagem. Mas não houve isso. Rápida e superficialmente, há uma exposição da técnica de reconstrução. Depois disso, dá-lhe imagens e mais imagens apenas para embelezar o vídeo.

Mas, para complicar mais ainda, durante parte do trabalho do EHT, Hawking falece. E pior, ele estava em processo de colaboração na escrita de um artigo, que é publicado postumamente. Oras, acho que não valia a pena comer o tempo do documentário com a história desse artigo. Não mesmo. Se queriam falar dos artigos, então seria interessante falar sobre os trabalhos iniciais de Hawking e Bekenstein.

Enfim, o documentário tem méritos, como linguagem acessível e belíssimas imagens. Por outro lado, a fusão do fantástico trabalho do EHT com o que seria mais um (não  necessariamente o último) artigo do Hawking deixou a desejar.

Aproveitarei para falar sobre a criação de partículas no próximo post, assunto que o Hawking explorou a fundo ao longo da vida.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Renormalização - Wilson e Bogolyubov

Os procedimentos de renormalização surgem, como disse no post anterior, em Teorias Quânticas de Campos (TQC), sendo a Eletrodinâmica Quântica a primeira a ter que lidar com estes problemas. Já no final dos anos de 1940 se sabia resolver o problema de remoção dos infinitos por meio das técnicas desenvolvidas por Feynman, Dyson e Schwinger. Com estas técnicas,  massas e constantes de acoplamento passaram a ter os valores finitos desejados.

As técnicas de renormalização evoluíram muito ao longo dos anos, mas os pioneiros da área merecem algumas palavras. Destaco neste post os trabalhos de Kenneth Wilson e Nikolai Bogolyubov.

Começo pelo trabalho de Bogolyubov, contextualizando o período de suas contribuições. Primeiro, é necessário establecer o que é um grupo de renormalização. 

Em 1952 Stueckelberg e Petermann publicaram um artigo sobre o grupo de normalização em teoria quântica. Neste artigo e em outro de 1953, estes autores mostram que o grupo das transformações finitas formam um grupo contínuo, chamado de Grupo de Lie. Em termos técnicos, as equações diferencias de Lie são consistentes dentro deste grupo.

Em 1954, Gell-Mann e Low derivam equações funcionais dentro da QED para descrever os propagadores no limite do ultra-violeta. São equações fundamentais dentro da QED.

Em 1955, Bogolyubov e Shirkov publicam o primeiro artigo nomeando explicitamente a existência de um grupo de REnormalização em TQC. Para tanto, conectam os resultados de Stueckelberg e Petermann aos de Gell-Mann e Low, usando um algoritmo simples, que chamamos de Métodos de Grupos de Renormalização (RG), usando as hoje famosíssimas funções beta para domar as divergências no infra-vermelho e ultra-violeta. 

O interesse de Bogolyubov por infinitos sempre foi evidente desde seu primeiro artigo, publicado aos 15 anos! Onde pode, Bogolyubov contribuiu significamente. E ele pode muito. Contribuiu substancialmente em física estatística, TQC, teoria das partículas elementares, mecânica não-linear, por exemplo. Como professor, sempre foi a favor de se criar uma atmosfera calorosa e gentil para o desenvolvimento das ideias. Ganhou dezenas de prêmios na fisica e matemática em vida. Há prêmios que agora levam o seu nome.

O nome de Kenneth Wilson surge bem mais tarde dentro dos trabalhos em RG, muito embora tenha sido aluno de doutorado de Gell-Mann perto do final da década de 1950. Embora tenha entrado mais tarde, seu trabalho eleva o nível da discussão. Ele constrói um RG para sistemas estatísticos baseado na ideia de médias para determinados blocos dentro de sistemas muito grandes. Ele constrói um sistema de blocos discretos, que resulta num discreto e não mais contínuo,  como havia na TQC. Maravilha das maravilhas, porque sendo discreto ele poderia ser rapidamente alplicado a tudo que pudesse ser discretizado. Como exemplo,  as transições de fase. 

Dito de outra forma: a escala importa. Parece óbvio isso. Olhar um quadro de longe é diferente de olhá-lo de perto, claro. Mas tente explicitar isso matematicamente para você ver como é complicado.

Wilson sempre foi muito interessado em computadores e computação, sendo um usuário frequente dos primeiros computadores a cartão do final dos anos de 1950. Em 1974 ele publica um artigo onde formula explicitamente uma teoria de calibre em uma rede do tipo espaço-tempo. Este artigo é fundamental para mostrar o confinamento de quarks na Cromodinâmica Quântica (QCD). Não bastasse isso, é a base para os desenvolvimentos da chamada QCD na rede, que utilizava ferramentas computacionais aplicadas à QCD não-perturvativa. É por seu trabalho em renormalização, no entanto, que leva o Nobel de 1982.

Daria para ficar horas falando apenas sobre Bogolyubov, tantas são suas contribuições. Igualmente sobre Wilson. Porém, fico por aqui hoje, mas voltarei a falar sobre renormalização em outros posts pois acho o tema fascinante.