segunda-feira, 31 de maio de 2021

Renormalização - 1

 Renormalização? Palavra meio estranha, mas que indica exatamente isso: normalizar algo que está não está normal. 

A natureza, creio eu, não gosta de infinitos. De nenhum tipo de infinito. Isso parece ser um consenso entre os físicos, também. Mas, infelizmente, muitas das equações que usamos para descrever a natureza não são, num primeiro momento, adequadas para isso. Isto é, elas contém infinitos dentro delas, que precisam ser eliminados. Este tipo de problema aparece principalmente na chamada Teoria Quântica de Campos (TQC), cuja filha mais bem sucedida é a Eletrodinâmica Quântica (QED). 

Como o nome já diz, a entidade básica nesta teoria é o campo e não a partícula. Apesar do sucesso inicial, a TQC fracassou na descrição da gravitação. No entanto, há enorme sucesso na descrição das outras interações e a QED é prova disso. Aliás, foi na formulação da QED que começaram a surgir os primeiros problemas de divergência, isto é, os infinitos. Mais especificamente, eles surgiram quando tentaram calcular a auto-interação (a auto-energia) dos elétrons e a chamada polarização do vácuo. Mas o que são estas coisas?!

A auto-energia do elétron surge porque os fótons são as partículas mediadoras da interação eletromagnética. Isto é, fótons são emitidos e absorvidos continuamente pelos próprios elétrons. Mas não são fótons reais! Este fótons são chamados de virtuais, isto é, são agentes de troca apenas. Ocorre que a emissão e absorção contínua destes fótons virtuais faz com que o elétron seja envolvido por numa nuvem de fótons virtuais. Oras, então a massa do elétron, na verdade, passa a ser a massa que está envolvida (nua) mais a massa surgida por conta do surgimento dos fótons virtuais.

Agora, observe que algo deve dar origem aos fótons virtuais, certo? O que seria? Oras, seriam os pares de elétrons-pósitrons virtuais, que decairiam nos fótons virtuais. Note que agora temos um problema com relação às cargas positivas e negativas. Os pósitrons virtuais são partículas de carga positiva. Então no momento de sua criação na nuvem, ele seria naturalmente atraído para ao núcleo, que contém o elétron real. Já os elétrons virtuais seriam repelidos pela núcleo, pois possuem carga negativa. Bom, então parte da carga do elétron seria blindada (ou escondida) pelos pósitrons virtuais, resultando numa carga efetiva (medida) para o elétron menor do que a original. Este é a chamada polarização do vácuo, isto é, houve a criação de polos no vácuo (semelhante ao efeito causado por um dielétrico, que polariza um meio inicialmente não-polarizado).

Este dois processos acima são os primeiros a apresentarem problemas de divergência na QED, isto é, o aparecimento de infinitos onde não deveriam aparecer. 

O processo de eliminação dos infinitos é chamado de renormalização. No início, não passava de um truque matemático bastante engenhoso para se remover os infinitos das soluções. Porém, as técnicas de renormalização foram evoluindo e foram incorporadas ao ferramental disponível. Ou seja, as técnicas de renormalização passaram a ser vistas como necessárias para eliminação dos infinitos dentro da TQC. 

Mas como surgem essas divergências? Bom, quando se usa teoria de perturbação, geralmente se faz a perturbação utilizando-se algum parâmetro que deveria independer da escala da teoria. Isto é, tanto "de longe" quanto "de perto", o parâmetro deveria ser o mesmo (ter o mesmo comportamento). Ocorre que, ao se perturbar o parâmetro e executar a sua expansão em série de potências, o primeiro termo apresenta um comportamento bem definido. Porém, os termos restantes da série de potência são divergentes, o que mostra que há um problema ai. A renormalização consiste em tornar bem comportados os termos restantes dessa expansão em série.

Falarei sobre mais detalhes em outros posts, porque o assunto é fascinante. Porém, não posso deixar de mencionar o nome de dois físicos que contribuíram enormemente para o assunto: Kenneth Wilson e Nikolaj Bogolyubov. Wilson eu já havia falado num outro posto sobre QGP. Bogolyubov é um gigante da física da extinta União Soviética. Falarei deles no próximo post.


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