quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Entropia: Definição Básica

 A entropia é um dos conceitos mais interessantes na física. Para começar, sua definição é algo um tanto quanto contra intuitivo.

Primeiro, vamos usar um sistema S e fazer com que ele passe por uma transformação cíclica, que como o próprio nome diz, se repete em ciclos. Suponha que em cada ciclo o sistema receba (ou dê, tanto faz) calor de uma ou várias fontes individuais tendo cada uma uma diferente (ou a mesma) temperatura. Oras, então existe troca de calor entre S e as fontes de calor. Para cada temperatura temos uma certa quantidade de calor trocada. A quantidade de calor trocada pode ser positiva ou negativa, dependendo da temperatura da fonte ser maior ou menor do que do sistema S. Se a temperatura da fonte for maior, o sistema tem troca de calor positiva; se for menor, negativa. Isto é só para adotarmos um padrão, pois poderia ser o contrário que não faria diferença.

Por mais incrível que pareça, a soma das razões entre a temperatura e a troca de calor é 1) ou menor que zero ou 2) igual a zero. Para o caso em que o resultado é nulo o ciclo é chamado de reversível.



Por outro lado, caso as fontes de calor sejam continuas, então ao invés de somar as razões, nós integramos por uma determinado ciclo. Claro, vale o mesmo que foi dito acima. 


Mas de onde vem a entropia, Sergio? Bom, vamos dizer que o seu sistema S possua um ciclo reversível que se inicia no estado inicial A e caminhe para o estado final B. Há vários modos (só mostro 2 possíveis caminhos) de se fazer isso, como mostra a figura abaixo, que é um diagrama de volume por pressão.

Então, vamos ter que calcular 

A integração acima fornece o mesmo resultado para qualquer que seja o caminho escolhido entre os estados A e B. Ou seja, no caso dos dois caminhos possíveis acima, temos

O fato de que qualquer caminho neste sistema forneça sempre o esmo resultado nos diz que estamos diante de algo muito importante: uma nova função para descrever o estado de um sistema. Assim, definimos a entropia como sendo

onde partimos de um certo estado inicial fixo na origem O e vamos até o estado final em A, que pode variar. Assim, a entropia só depende do estado final A. 

Muita matemática? Na-na-ni-na-não! Nada que um pouco de sofrimento e dor não nos ajude a superar...Mas perceba que no caso de um sistema com ciclo reversível, temos uma entropia nula. Se o sistema não for reversível, então pode-se mostrar que para um sistema isolado a entropia do estado inicial é sempre menor ou igual que do estado final. Ou seja, a entropia só aumenta ou permanece constante, mas não decresce neste caso. Mais ainda, dá pra mostrar que o estado de máxima entropia em um sistema isolado é o estado de maior estabilidade. 

Depois continuo!












segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Entropia e Tempo

Um assunto fascinante para mim é a entropia, que em geral é definido como desordem, que é um de seus entendimentos estatísticos. Mas será que é isso (ou só isso) mesmo?

Einstein gostava da termodinâmica, que achava a mais universal das teorias, e muito provavelmente porque temperatura seja um conceito que transita por toda a física. Ele dizia que é uma teoria de princípios, ou seja, independente de modelos (não construtiva). Note-se que Einstein usou o conceito de entropia para investigar a radiação de origem térmica, chegando com isso aos quanta de luz. Claro, Einstein também criou sua própria mecânica estatística impondo limites para a validade das leis da termodinâmica.

A palavra entropia foi criada por Clausius para que fosse semelhante a palavra energia. Ele usou o grego para criar essa palavra que quer mais ou menos dizer o "ato de dar a volta". Quando um determinado processo é reversível, então, a conservação de entropia significa a possibilidade de recomeço. Se o processo não é reversível, não existe essa possibilidade e a entropia não se conserva.

Entropia é uma quantidade extensiva, isto é, ela depende de determinadas características do sistema (como massa, por exemplo). Infelizmente, a entropia não pode ser medida diretamente em um sistema (não existe um entropimetro...). Na verdade, seguindo Von Neumann, ninguém sabe de fato o que é a entropia...

Vou gastar alguns posts falando sobre essa coisa estranha, mas fantástica, chamada entropia.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Universalidade dos leptons?

Recentes resultados do Large Electron-Proton Collider (LEP) no CERN parecem contradizer a universalidade dos leptons. Universalidade?!

Bom, o Modelo Padrão prevê que as três gerações de leptons - muônico, tauônico e eletrônico - possuem mesma probabilidade de decaimento, pois presume-se que o seu acoplamento (ligação) com a força fraca seja o mesmo, isto é, tenha a mesma intensidade. Em qualquer caso, o bóson mediador é o mesmo, W.

Os resultados do LEP indicaram que a razão entre a entre os leptons tauônicos e muônicos é ligeiramente superior a 1, com erro não compatível com a universalidade, sendo que o Modelo Padrão prevê 1. No entanto, os resultados recém publicados da Colaboração ATLAS, que analisou um montanha maior de dados via colisões próton-próton, mostrou que a razão é ligeiramente menor que 1, com erro compatível com a esperada universalidade. 

O Modelo Padrão,  por mais bem sucedido que seja, está constantemente sendo testado e verificado, pois desvios mínimos de suas previsões podem indicar o aparecimento de nova física, como já foi falado aqui no blog. 

O resultado do ATLAS pode ser visto aqui.


Criação de Partículas - Buracos Negros

 O grande problema, talvez, para se lidar com buracos negros está na sua natureza extrema: é o extremo da Relatividade Geral e da Mecânica Quântica. Sua densidade é tão grande que ambos os extremos do nosso conhecimento acabam por ser relevantes. Não se pode desprezar os efeitos quânticos na gravitação. Porém, não temos uma teoria quântica da gravitação, o que nos obriga a trabalhar com modelos e aproximações, que muitas vezes são extremamente úteis, outras acabam por ficar meio confusas.

O trabalho de Hawking foi pioneiro em tratar deste assunto, a produção de partículas (algo puramente quântico) dentro de um objeto compacto (o buraco negro). A brincadeira, então, se trata em fazer o casamento entre a métrica do espaço-tempo, uma entidade clássica que não está quantizada, e a descrição dos campos de matéria, que é quântica. Além disso, há aqui o mesmo problema que Parker tinha: a definição de operadores de criação e destruição em espaços curvos. Já vimos que há dificuldade em definir os modos de frequência negativa e positiva nessa situação. O truque, então, é fazer como Parker fez. 1. Definir uma região plana do espaço, onde teremos um certo estado de vácuo; 2. Permitir que a curvatura do espaço faça o seu trabalho, "levando" a região plana para um novo estado de vácuo; 3. O novo vácuo não é necessariamente o mesmo que o primeiro, o que permite a criação de partículas.

Este processo, mesmo que localmente pequeno, ao longo da vida do buraco negro pode ser relevante para sua própria estabilidade. Hawking argumenta sobre a ambiguidade na definição dos operadores de criação e destruição, relacionando esta ambiguidade com o raio de curvatura do buraco negro. A partir desta ambiguidade, ele argumenta, é que surgem as partículas. Claro, dá-lhe conta usando a solução de Kerr-Newman para buracos negros com massa, momento angular e carga. Este tipo de solução é estacionária, não misturando as frequências positivas e negativas, não levado, portanto,  a nenhuma produção de partículas. No entanto, o fenômeno de superradiancia, que trata da espalhamento de ondas que incidem em um buraco negro carregado, indica que a amplitude dessas ondas aumenta. Amplitude e energia andam de mãos dadas: aumento de amplitude é interpretado como a produção de partículas. 

O resto do artigo é dedicado a mostrar como a mistura de modos resulta da produção de partículas. Genial! A íntegra do artigo pode ser vista aqui.

Repare, contudo, que há uma construção do método (embora Hawking não utilize os trabalhos de Parker) de criação de partículas, começando em Bogoliubov e indo até Hawking. Há várias e várias sutilezas em todo o processo, que não é mera aplicação de fórmulas. Há um entendimento profundo sobre a física do problema e sobre os limites dos métodos utilizados. Ou seja, é necessário entender de onde se está saindo para compreender onde se chegou. Não é algo corriqueiro e é feito por poucos com muito trabalho árduo.

Há várias leituras para recomendar. Por exemplo, aqui há uma boa aula sobre evaporação de buracos negros. Já aqui há uma boa descrição sobre a Mecânica Quântica dos buracos negros. Of course, em inglês. Em português, temos uma boa explicação geral aqui. Enfim, boas leituras...




quarta-feira, 7 de julho de 2021

Criação de Partículas - Leonard Parker

Em seu doutorado, Parker falava sobre a criação de partículas em um universo em expansão e é, provavelmente, o primeiro trabalho neste sentido. O que ele fez? Ele juntou num mesmo barco a mecânica quântica e a relatividade geral, mostrando que partículas podem ser criadas de modo espontâneo pela expansão do universo, que equivale, em certo sentido, a dizer que partículas podem ser criadas por um campo gravitacional que seja dependente do tempo.

O truque utilizado por ele consiste em admitir que o espaço começa e termina plano (Minkowski). No meio do caminho entre estes dois estados, a expansão é suave e espacialmente plana (no chamado universo de Friedmann-Lamaitre-Robertson-Walker - FLRW). Oras, no início e no fim, sendo o espaço plano, então fica simples definir o vácuo e contar as partículas criadas entre os extremos. Ele contorna o problema de definirmos o vácuo em espaços curvos.

Por simplicidade, ele quantiza um campo de partículas com spin 0 - bósons- (equação de Klein-Gordon). Durante este procedimento, as soluções do campo são apresentadas juntamente com as regras de comutação de seus operadores. E ai está o ponto: a forma como ele escreve o operador é a forma das transformações de Bogoliubov. Bingo!

O grande mérito de Parker, acredito, foi ter feito uma junção entre produção de partículas e expansão cósmica, isto é, mostrando que partículas podem ser criadas por simples variação temporal do campo gravitacional. 

No próximo post abordo o trabalho do Hawking sobre produção de partículas por buracos negros, que é algo espinhoso, pois é necessário definir o que é partícula e o que é vácuo em espaços curvos.










sexta-feira, 2 de julho de 2021

Criação de Partículas - O Problema da Relatividade Geral

 A Relatividade Geral - RG - é linda, mas cheia de problemas. Para começo de conversa, a RG é clássica no sentido mais newtoniano possível. Isto é, ela é parte de um mundo descrito por equações diferenciais (parciais) que possuem condições iniciais dadas. São essas condições iniciais que dão forma ao futuro.

Mas o aspecto newtoniano acaba ai. No mais, a RG é uma visão de mundo única, que unifica a geometria subjacente ao espaço com a inércia e a gravitação, formando uma estrutura única chamado espaço-tempo. Claro, depois que se aprendeu a fazer uma teoria assim, podemos fazer várias outras que sejam localmente equivalentes. 

Bom, nem só de beleza vive a natureza (ou a física, melhor dizendo). Vive de simetria também. Simetrias, do ponto de vista matemático, podem ser estudadas utilizando-se da Teoria de Grupos. Do ponto de vista físico, por exemplo, é interessante que nossos experimentos tenham simetria translacional, indicando que ela pode ser feita em qualquer parte do universo, contanto que o experimento seja executado do mesmo modo e que a física seja a mesma localmente. Ou simetria temporal. 

Simetrias são altamente desejáveis porque há um teorema, talvez um dos mais importantes do século XX, que diz que para cada simetria que um sistema possui, então há uma quantidade conservada (uma corrente conservada). Esse é o teorema de Noether, de uma beleza e elegância ímpares. Ele simplifica nossa vida ao máximo, pois basta você procurar as simetrias do sistema que está estudando. Se houver simetria, então haverá uma quantidade associada exatamente a esta simetria que conservada (energia, momento, etc.). Há um artigo ótimo aqui sobre simetrias na Mecânica Clássica.

Retornando ao ponto inicial. A RG, com relação ao teorema de Noether, não conserva, em geral, a energia. Há casos especiais em que pode haver a conservação de energia, mas no geral, não há. Grosso modo, para espaço-tempo plano, a energia se conserva sem problemas. Infelizmente, para espaço-tempo curvo, não há conservação de energia. Veja a explicação mais detalhada aqui.

Levando-se em conta que este post é parte de uma séria que tenta explicar a produção de partículas em buracos negros, então a curvatura do espaço-tempo é importante. E é ai que a porca torce o rabo. Para espaços planos, temos uma estrutura chamada invariância de Poincaré que nos permite selecionar foliações possíveis do espaço e construir partículas pela decomposição dos campos em modos de frequência positiva e negativa. Por outro lado, em espaços curvos não há nada disso, pois a priori não há grupo de simetria, o que dificulta a definição unívoca do estado de uma partícula pela decomposição do campo em modos de frequência positiva e negativa. Esta dificuldade se traduz de imediato em outra, que é a não unicidade do estado de vácuo, pois temos uma dependência explícita do sistema de referência neste ponto.

O problema acima é sério e há uma corrente de teóricos da relatividade que prega a não existência de partículas. Acho que o maior entusiasta dessa corrente de pensamento é o físico P. C. W. Davies, um gigante da RG. Como esse papo é longo, continuo depois.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Criação de Partículas - Transformações de Bogoliubov

Leonard Parker é O cara quando precisamos iniciar algum estudo sobre produção de partículas por expansão cósmica. Ele é uma dos fundadores das chamadas teorias quânticas de campos em espaços curvos. Seus trabalhos seminais são marcados pelo uso das chamadas transformações de Bogoliubov (já falei um pouco sobre o Bogoliubov em outro post).

Acho interessante, então, apresentar as transformações de Bogoliubov. A aplicação original destas transformações se dá em superfluidez, que é o fenômeno de zero viscosidade (ou seja, não há perda energia cinética pelo movimento do líquido). Ao estudar o fenômeno da superfluidez, às vezes é útil expressar os hamiltonianos que descrevem o sistema por meio de dois operadores de criação e dois  de destruição (esses hamiltonianos são chamados de bilineares). E, como qualquer problema que inclua hamiltonianos, a solução se inicia por meio de sua diagonalização. Ou seja, a matriz que descreve o sistema físico precisa passar por operações matemática lícitas até que apenas os elementos de sua diagonal principal permaneçam não-nulos. Daí fica moleza escrever suas soluções.

Bom, Bogoliubov percebeu que suas transformações conduziam à diagonalização dos hamiltonianos em questão, produzindo combinações entre esses operadores (mas mantendo suas relações de comutação). Como temos dois tipos básicos de partículas, férmions e bósons, precisamos verificar se há diferença nas transformaçõs para ambos os casos. E há, claro, mas que não apresenta grandes dificuldades em se passar de um para outro caso. Aqui, por simplicidade, vou apresentar o caso bosônico. Defino o hamiltoniano como
sendo que 
são números reais e 
são os operadores de criação e destruição bosônicos. O interesse de Bogoliubov estava no estudo de uma rotação no espaço onde o hamiltoniano estava inserido. Ele queria saber o que aconteceria se houvesse uma rotação no fluido descrito pelo hamiltoniano, grosso modo. Para fazer isso, preservando as operações de comutatividade dos operadores originais, ele introduz as seguintes transformações
Note que como estamos falando de bósons, temos que as relações de comutação são
e que resultam na seguinte transformação entre os espaços
Ou seja, 
Como estamos tratando de rotações, a maneira mais simples (acredite em mim!) é usarmos a trigonometria hiperbólica, fazendo uso das representações
sendo cosh = cosseno hiperbólico e senh = seno hiperbólico, ambos com relação ao ângulo de rotação (a e b são escalares). E voilà, temos as nossas transformações prontas. Simples e eficazes.

Resumindo: as transformações de Bogoliubov permitem rotacionar o fluido combinado linearmente os operadores de criação e destruição. Ou seja, podemos criar/destruir partículas apenas rotacionando (ou translacionando) o espaço. 

Há inúmeras aplicações das transformações de Bogoliubov, em especial na supercondutividade e antiferromagnetismo, além do fenômeno da superfluidez. Nestes sistemas,  as transformações são utilizadas para a diagonalização do hamiltoniano original, permitindo o acesso as soluções do sistema sob análise. 

No caso da produção de partículas, que nos interessa aqui, precisamos definir primeiro o que é partícula. Explico. Em geral, fazemos o seguinte: iniciamos o nosso universo no estado de vácuo antes do tempo inicial de nossa contagem. Depois disso, deixamos o estado de vácuo interagir com o campo gravitacional até um certo tempo final. Agora contamos quantas partículas temos no tempo final e, se houver um número maior do tempo inicial, então tivemos produção de partículas. Porém, como sabemos se produzimos de fato partículas ou se apenas contamos um número diferente devido ao fato de estarmos em um sistema de referência específico? Precisamos eliminar a dependência do sistema de referência para podermos contar corretamente. E este é um problema na Relatividade Geral, pois não há simetria geral que permita a definição de um estado de vácuo único. Veremos isso num próximo post.