sexta-feira, 16 de julho de 2021
Universalidade dos leptons?
Criação de Partículas - Buracos Negros
O grande problema, talvez, para se lidar com buracos negros está na sua natureza extrema: é o extremo da Relatividade Geral e da Mecânica Quântica. Sua densidade é tão grande que ambos os extremos do nosso conhecimento acabam por ser relevantes. Não se pode desprezar os efeitos quânticos na gravitação. Porém, não temos uma teoria quântica da gravitação, o que nos obriga a trabalhar com modelos e aproximações, que muitas vezes são extremamente úteis, outras acabam por ficar meio confusas.
O trabalho de Hawking foi pioneiro em tratar deste assunto, a produção de partículas (algo puramente quântico) dentro de um objeto compacto (o buraco negro). A brincadeira, então, se trata em fazer o casamento entre a métrica do espaço-tempo, uma entidade clássica que não está quantizada, e a descrição dos campos de matéria, que é quântica. Além disso, há aqui o mesmo problema que Parker tinha: a definição de operadores de criação e destruição em espaços curvos. Já vimos que há dificuldade em definir os modos de frequência negativa e positiva nessa situação. O truque, então, é fazer como Parker fez. 1. Definir uma região plana do espaço, onde teremos um certo estado de vácuo; 2. Permitir que a curvatura do espaço faça o seu trabalho, "levando" a região plana para um novo estado de vácuo; 3. O novo vácuo não é necessariamente o mesmo que o primeiro, o que permite a criação de partículas.
Este processo, mesmo que localmente pequeno, ao longo da vida do buraco negro pode ser relevante para sua própria estabilidade. Hawking argumenta sobre a ambiguidade na definição dos operadores de criação e destruição, relacionando esta ambiguidade com o raio de curvatura do buraco negro. A partir desta ambiguidade, ele argumenta, é que surgem as partículas. Claro, dá-lhe conta usando a solução de Kerr-Newman para buracos negros com massa, momento angular e carga. Este tipo de solução é estacionária, não misturando as frequências positivas e negativas, não levado, portanto, a nenhuma produção de partículas. No entanto, o fenômeno de superradiancia, que trata da espalhamento de ondas que incidem em um buraco negro carregado, indica que a amplitude dessas ondas aumenta. Amplitude e energia andam de mãos dadas: aumento de amplitude é interpretado como a produção de partículas.
O resto do artigo é dedicado a mostrar como a mistura de modos resulta da produção de partículas. Genial! A íntegra do artigo pode ser vista aqui.
Repare, contudo, que há uma construção do método (embora Hawking não utilize os trabalhos de Parker) de criação de partículas, começando em Bogoliubov e indo até Hawking. Há várias e várias sutilezas em todo o processo, que não é mera aplicação de fórmulas. Há um entendimento profundo sobre a física do problema e sobre os limites dos métodos utilizados. Ou seja, é necessário entender de onde se está saindo para compreender onde se chegou. Não é algo corriqueiro e é feito por poucos com muito trabalho árduo.
Há várias leituras para recomendar. Por exemplo, aqui há uma boa aula sobre evaporação de buracos negros. Já aqui há uma boa descrição sobre a Mecânica Quântica dos buracos negros. Of course, em inglês. Em português, temos uma boa explicação geral aqui. Enfim, boas leituras...
quarta-feira, 7 de julho de 2021
Criação de Partículas - Leonard Parker
Em seu doutorado, Parker falava sobre a criação de partículas em um universo em expansão e é, provavelmente, o primeiro trabalho neste sentido. O que ele fez? Ele juntou num mesmo barco a mecânica quântica e a relatividade geral, mostrando que partículas podem ser criadas de modo espontâneo pela expansão do universo, que equivale, em certo sentido, a dizer que partículas podem ser criadas por um campo gravitacional que seja dependente do tempo.
O truque utilizado por ele consiste em admitir que o espaço começa e termina plano (Minkowski). No meio do caminho entre estes dois estados, a expansão é suave e espacialmente plana (no chamado universo de Friedmann-Lamaitre-Robertson-Walker - FLRW). Oras, no início e no fim, sendo o espaço plano, então fica simples definir o vácuo e contar as partículas criadas entre os extremos. Ele contorna o problema de definirmos o vácuo em espaços curvos.
Por simplicidade, ele quantiza um campo de partículas com spin 0 - bósons- (equação de Klein-Gordon). Durante este procedimento, as soluções do campo são apresentadas juntamente com as regras de comutação de seus operadores. E ai está o ponto: a forma como ele escreve o operador é a forma das transformações de Bogoliubov. Bingo!
O grande mérito de Parker, acredito, foi ter feito uma junção entre produção de partículas e expansão cósmica, isto é, mostrando que partículas podem ser criadas por simples variação temporal do campo gravitacional.
No próximo post abordo o trabalho do Hawking sobre produção de partículas por buracos negros, que é algo espinhoso, pois é necessário definir o que é partícula e o que é vácuo em espaços curvos.
sexta-feira, 2 de julho de 2021
Criação de Partículas - O Problema da Relatividade Geral
A Relatividade Geral - RG - é linda, mas cheia de problemas. Para começo de conversa, a RG é clássica no sentido mais newtoniano possível. Isto é, ela é parte de um mundo descrito por equações diferenciais (parciais) que possuem condições iniciais dadas. São essas condições iniciais que dão forma ao futuro.
Mas o aspecto newtoniano acaba ai. No mais, a RG é uma visão de mundo única, que unifica a geometria subjacente ao espaço com a inércia e a gravitação, formando uma estrutura única chamado espaço-tempo. Claro, depois que se aprendeu a fazer uma teoria assim, podemos fazer várias outras que sejam localmente equivalentes.
Bom, nem só de beleza vive a natureza (ou a física, melhor dizendo). Vive de simetria também. Simetrias, do ponto de vista matemático, podem ser estudadas utilizando-se da Teoria de Grupos. Do ponto de vista físico, por exemplo, é interessante que nossos experimentos tenham simetria translacional, indicando que ela pode ser feita em qualquer parte do universo, contanto que o experimento seja executado do mesmo modo e que a física seja a mesma localmente. Ou simetria temporal.
Simetrias são altamente desejáveis porque há um teorema, talvez um dos mais importantes do século XX, que diz que para cada simetria que um sistema possui, então há uma quantidade conservada (uma corrente conservada). Esse é o teorema de Noether, de uma beleza e elegância ímpares. Ele simplifica nossa vida ao máximo, pois basta você procurar as simetrias do sistema que está estudando. Se houver simetria, então haverá uma quantidade associada exatamente a esta simetria que conservada (energia, momento, etc.). Há um artigo ótimo aqui sobre simetrias na Mecânica Clássica.
Retornando ao ponto inicial. A RG, com relação ao teorema de Noether, não conserva, em geral, a energia. Há casos especiais em que pode haver a conservação de energia, mas no geral, não há. Grosso modo, para espaço-tempo plano, a energia se conserva sem problemas. Infelizmente, para espaço-tempo curvo, não há conservação de energia. Veja a explicação mais detalhada aqui.
Levando-se em conta que este post é parte de uma séria que tenta explicar a produção de partículas em buracos negros, então a curvatura do espaço-tempo é importante. E é ai que a porca torce o rabo. Para espaços planos, temos uma estrutura chamada invariância de Poincaré que nos permite selecionar foliações possíveis do espaço e construir partículas pela decomposição dos campos em modos de frequência positiva e negativa. Por outro lado, em espaços curvos não há nada disso, pois a priori não há grupo de simetria, o que dificulta a definição unívoca do estado de uma partícula pela decomposição do campo em modos de frequência positiva e negativa. Esta dificuldade se traduz de imediato em outra, que é a não unicidade do estado de vácuo, pois temos uma dependência explícita do sistema de referência neste ponto.
O problema acima é sério e há uma corrente de teóricos da relatividade que prega a não existência de partículas. Acho que o maior entusiasta dessa corrente de pensamento é o físico P. C. W. Davies, um gigante da RG. Como esse papo é longo, continuo depois.